Em recente decisão, proferida no inquérito nº 3994, cujo relator foi o Ministro Edson Fachin do Supremo Tribunal Federal, entendeu-se, por bem, não receber a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal, em detrimento de parlamentares federais. O motivo do não acolhimento se deve a falta de justa causa para a ação penal, na medida em que, a inicial acusatória estava embasada única e exclusivamente nas palavras do colaborador premiado.
Como cediço, para recebimento das acusações é imprescindível que se tenha o fumus comissi delicti, entendendo-se por este, como a constatação de elementos fáticos, minimamente indiciários colhidos em solo investigativo, e que fomentem no órgão judicante, ao menos, um juízo de probabilidade no sentido da existência de autoria e materialidade da prática delitiva.
Pois bem. No caso em questão o fundamento para o reproche da denúncia foi o seguinte: se a condenação não pode estar amparada apenas nas palavras do delator, como determina no artigo 4º § 16º da lei 12.850/13, devendo eventual sentença condenatória se arrimar em outras provas, posto que, a delação premiada se consiste em um meio de obtenção de prova, menor razão ainda, para que esta, isoladamente, sirva para o recebimento da denúncia. Ilustrativo é o seguinte trecho do acórdão:
“(…)4. A colaboração premiada, como meio de obtenção de prova, tem aptidão para autorizar a deflagração da investigação preliminar, visando adquirir coisas materiais, traços ou declarações dotadas de força probatória. Essa, em verdade, constitui sua verdadeira vocação probatória. 5. Todavia, os depoimentos do colaborador premiado, sem outras provas idôneas de corroboração, não se revestem de densidade suficiente para lastrear um juízo positivo de admissibilidade da acusação, o qual exige a presença do fumus commissi delicti.(…)”
Calha destacar, também, da decisão do Ministro, outro aspecto relevante no que diz respeito à validação do conteúdo das delações. No caso dos autos, o delator havia fornecido manuscritos que, em tese, comprovariam pagamentos indevidos aos parlamentares, contudo, ficou reconhecida a imprestabilidade de tais documentos no sentido de firmar o depoimento prestado a título de colaboração premiada, posto que, a corroboração do quanto informado deveria ter fonte probatória distinta, não podendo ser esta os documentos elaborados, unilateralmente, pelo delator.
Ao nosso sentir, em que pese a divergência ocorrida durante o julgamento, andou bem o STF ao não receber a acusação, diante de um quadro indiciário pintado apenas com a tinta do delator. A fragilidade da delação premiada, enquanto mero meio de obtenção prova, não pode, de per si, automatizar o recebimento de denúncia.
Interessante de notar que, ainda que implicitamente, parece que o Ministro repeliu e bem a inquisitiva ideia contida no “não princípio” do in dubio pro societate, como já o fizera a Ministra Maria Thereza de Assis Moura, do Superior Tribunal de Justiça, no HC 175.639, cuja ementa, restou assim vazada:
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO E QUADRILHA.REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PROVIMENTO PELO TRIBUNAL A QUO. REMISSÃO AO CHAMADO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. ILEGALIDADE. RECONHECIMENTO.1. A acusação, no seio do Estado Democrático de Direito, deve ser edificada em bases sólidas, corporificando a justa causa, sendo abominável a concepção de um chamado princípio in dubio pro societate. In casu, não tendo sido a denúncia amparada em hígida prova da materialidade e autoria, mas em delação, posteriormente tida por viciada, é patente a carência de justa causa. (…) 2. Ordem concedida para cassar o acórdão atacado, restabelecendo a decisão de primeiro grau, que rejeitou a denúncia em relação aos pacientes e os corréus (…)”
De toda sorte, não obstante a necessidade de aperfeiçoamentos em relação ao instituto da delação premiada, que tem sido utilizada como de forma desmedida, “negociando-se” fora dos parâmetros legais, entendemos que andou bem sua Excelência o Ministro em rechaçar a imputação deduzida pelo Ministério Público Federal com base apenas nas palavras e documentos do delator.